São apenas dez e meia, tem a noite inteira. Dormir é embaçado, numa sexta-feira. TV é uma merda, prefiro ver a lua. Preto Edy Rock está a caminho da rua. hã... sei lá vou pruma festa, "se pam", se os cara não colar, volto às três da manhã. Tô devagar, tô a cinquenta por hora, ouvindo funk do bom, minha trilha sonora. A polícia cresce o olho, eu quero que se foda! Zona Norte a bandidagem curte a noite toda. Eu me formei suspeito profissional, bacharel pós-graduado em "tomar geral". Eu tenho um manual com os lugares, horários, de como "dar perdido"... ai, caralho... "prefixo da placa é MY, sentido Jaçanã, Jardim Ebron...". Quem é preto como eu já tá ligado qual é, Nota Fiscal, RG, polícia no pé "escuta aqui: o primo do cunhado do meu genro é mestiço, racismo não existe, comigo não tem disso, é pra sua segurança". Falou, falou, deixa pra lá. Vou escolher em qual mentira vou acreditar. Tem que saber mentir, tem que saber lidar, em qual mentira vou acreditar? A noite é assim mesmo, então... deixa rolar. Em qual mentira vou acreditar? Ô, que caras chato, ó! Quinze pras Onze, eu nem fui muito longe e os "hôme" embaçou. Revirou os banco, amassou meu boné branco, sujou minha camisa do Santos. Eu nem me lembro mais pra onde eu vou. E agora, quem será que ligou? "Espere na atração, eu tô na Zona Sul, eu chego rapidinho, assinado: Blue". Pode crer, naquele lado de Santana, conheço uns lugar, conheço umas fulana. Juliana? Não. Mariana? Não. Alessandra? Não. Adriana? Não. O nome é só um detalhe, o nome é só um nome. 953... hum, esqueci o telefone. "Pôrra, demorou, heim?!" E aí, Blue, como é? Isso aqui é um inferno, tem uma pá de mulher, trombei uma pá de gente, uma pá de mano, tô há quase uma hora te esperando. Passou uma figura aqui e deu idéia, disse que te conhece e pá, chama Léa. Cabelo solto, vestido vermelho, estrategicamente a um palmo do joelho. Os caras comentaram o visual, "oz bi", que tal, pagando o maior pau. Ninguém falou, ah! ah! mas eu ouvia meio mundo xingando por telepatia ("mina filha da puta!"). Economizava meu vocabulário, não tinha o que falar, falava o necessário, meio assim, é claro, será qual é que é, truta é o que não falta, mina filha da puta. Tudo comigo, confio no meu taco, versão africana "Don Juan de Marco", tudo muito bom, tudo muito bem, sei lá o que é que tem, idéia vai, idéia vem, ela era princesa, eu era o plebeu, quem é mais foda que eu, espelho, espelho meu. "Tipo Taís de Araújo ou Camila Pitanga?". Uma mistura. Confesso: fiquei de perna bamba. Será que ela aceita ir comigo pro baile? Ou ir pra Zona Sul ter um "Grand Finale"? Amor com gosto de fruta até às seis da manhã, me chamar de "meu preto" e me cantar "Djavan". Ninguém ouviu, mas... puta que pariu! Em fração de segundos meu castelo caiu! A mais bonita da escola, rainha passista, se transformou numa vaca nazista! Eu ouvindo James Brown, pá, cheio de pose, ela pergunto se eu tenho... o quê? Gun's Roses? Lógico que não! A mina quase histérica, meteu a mão no rádio e pôs na Transamérica. Como é que ela falou? Só se liga nessa, que mina cabulosa, olha só que conversa: que tinha bronca de neguinho de salão (não...) que a maioria é maloqueiro e ladrão (aí não...). Aí não, mano! Foi por pouco, mano. Eu já tava pensando em capotar no soco. Disse pra mim não falar gíria com ela, pra me lembrar que não tô na favela. Bate-boca, novela, será que é meia-noite, já? A Cinderela virou bruxa do mal. Me humilhar não vai, vai tirar o caralho, levanta o seu rabo racista e sai! "Eu conheço essa perversa "há maior cara", correu a banca toda de uns "pleiba" que colava lá na área. " Pra mim ela já disse que era solitária, que a família era rígida e autoritária. Tem vergonha de tudo, cheia de complexo, que ainda era cedo pra pensar em sexo. A noite é assim mesmo... deixa rolar! Vou escolher em qual mentira vou acreditar. Refrão Ih! Caralho! Olha só quem tá ali? O que que esse mano tá fazendo aqui? E aí, esse maluco veio agora comigo, ligou que era até seu amigo, que morava lá na sul, irmão da Cristiane, dei um "cavalo" pra ele no Lausane. Ia levar um recado pra uns parente local, da Igreja Evangélica Pentecostal. Desceu do carro acenando a mão: "Na paz do Senhor!". Ninguém dava atenção. Bem diferente do estilo dos crentes. Um bom "jaco" e touca, mas a noite tá quente. Que barato estranho, só aqui tá escuro. Justo nesse poste não tem luz de mercúrio. Passaram vinte fiéis até agora, dá cinco reais, cumprimenta e sai fora. Um irmão muito sério, em frente à garagem, outro com a mão na cintura em cima da laje. De vez em quando a porta abre e um diz: "tem do preto e do branco?" e coça o nariz. Isso sim, isso é que é união! O irmão saiu feliz, sem discriminação! De lá pra cá veio gritando, rezando: "Aleluia, as coisas tão melhorando!". Esse cara é dentista, sei lá... diz que a firma dele chama "Boca S.A.". Será material de construção? Vendedor de pedras? Lá na zona sul era patrão. Ih! patrão o caralho! Ele é safado. Fugiu do Valo Velho com os dias contados. A paranóia de fumar era fatal. Arrombava os barracos, saqueava os varal. Bateu na cara do pai de um vagabundo. HUmm... tá fazendo hora extra no mundo. A noite tá boa, a noite tá de barato, mas puta gambé pilantra é mato! Refrão