Lingua De Trapo

Lingua De Trapo

Outros

LÍNGUA DE TRAPO

Segue a história do surgimento do Língua de Trapo, nas palavras de um dos seus mentores, Carlos Melo.

"Em 1979, os milicos não sabiam mais o que fazer com o país. Resolveram inventar a abertura política ?lenta e gradual? pra disfarçar.

No mesmo ano, com 21 primaveras, eu também não sabia o que fazer da vida. Inventei então de trancar a faculdade de Ciências Sociais e começar a de Jornalismo.

E, por estar cansado de estudar tribos indígenas, Marx e Bakunin ? não necessariamente nessa ordem ? passei a ler textos mais desencanados de humor.

Estava intoxicado desse espírito humorístico-anárquico, quando resolvi aparecer no lançamento da revista literária ?Esquina do Grito?, na faculdade Cásper Líbero.

Seria uma espécie de trote aos calouros como eu, só que mais politicamente correto, com direito a show de música pros bichos e outras milongas.

Atrasado, dei de cara com três sujeitos em cima de um palco improvisado numa sala de aula. Eram eles Laert, Guca e Pituco. E chamavam-se de ?Laert e seus Cúmplices?.

Imaginei um espetáculo engajado, com declarações raivosas contra os últimos vagidos da ditadura e já ia pegar minha revistinha e cair fora pra uma ?gelada? na Paulista.

Foi quando o magérrimo Laert Sarrumor começou a entoar ?Na minha boca?. E, com muitos esgares e gaguejares, fazia uma inusitada e hilária crítica à censura.

A estudantina foi ao delírio com a pilhéria dos meninos. Pilhérias e bolas, diga-se, já que na mesma semana, dois dos nossos haviam sido retirados pra sempre de circulação pelos ?homi?.

Na seqüência, amparado pelo violão de Guca Domenico, surgiu Pituco (que vinha a ser um tipo de Elvis, Bowie e Tomie Ohtake no mesmo corpo).

Com um rebolado lúbrico e um vozeirão potente, o japa foi a gota d?água pra minha conclusão: ali estava surgindo algo novo na música paulistana.

O uso do humor era um ?link? direto com Adoniran, Noel, Moreira da Silva, Germano Matias, Alvarenga e Ranchinho, Jararaca e Ratinho, Zé Fidelis e mesmo com Mutantes e Joelho de Porco. E por que não dizer com Monty Phyton e Les Luthiers?

Na semana seguinte, cruzando com os caras no corredor da faculdade, resolvi me apresentar:
- Fiz um samba chamado ?A vingança do hipocondríaco?. Querem dar uma ouvida?

Guca pegou do violão e, depois de umas breves batidas na caixa-de-fósforos minhas, saiu acompanhando.

Pronto. Eu era mais um dos cúmplices.

- Como você se chama? ? quis saber Laert, ao final.

Tão pouco artístico meu nome e, ainda por cima, com um quê de ?ditatorial? praquela época heróica: Carlos Antonio de Melo e Castelo Branco.

Por isso, respondi num impulso: - Carlos Melo.

Pelo menos pra mim, ali começava oficialmente o grupo Língua de Trapo. Nome que tive a honra de sugerir em 1980, quando teve lugar o primeiro registro do grupo na fita ?Sutil como um cassetete? ? vendida na faculdade e em shows.

Já estavam incorporados ao bando os casperianos Cassiano Roda, Lizoel Costa e os ?importados? Fernando Marconi, Celso Mojola e Tigueis . Pouco mais tarde chegaria outro colega de faculdade, Ayrton Mugnaini Jr.

Entre 81 e 82, em meio a projetos importantes, como o ?Virada Paulista? ? que reuniu mais de quarenta bandas no Teatro Lira Paulistana ? o Língua teve a sua primeira mudança na formação: entraram os irmãos João e Luiz Lucas, Ademir Urbina e Sérgio Gama.

Estava tudo pronto para a gravação do primeiro disco independente ?Língua de Trapo?, o famoso ?azulzinho?.

O vinil seria lançado numa temporada histórica de duas semanas no Teatro Lira Paulistana no show ?Obscenas Brasileiras?.

Dali em diante, o Língua colecionaria louros.

Em 83, com uma apresentação de protesto contra as eleições indiretas (?Sem Indiretas?) ganha o prêmio Chiquinha Gonzaga como melhor grupo independente. Entram para o grupo o baixista Mário Campos e o baterista Nahame Casseb, o ?Naminha?.

Em 84, em temporada com o show ?Prejuízo Final?, no Sesc Pompéia, recebe o Prêmio APCA como melhor conjunto vocal.

No ano seguinte grava pela RGE ?Como é bom ser punk?, apresenta em teatro ?Nova Retórica? e fica entre os 12 finalistas do ?Festival dos Festivais?, da Rede Globo, com a música ?Os metaleiros também amam?.

?Os 17 Big Golden Hits Super Quentes Mais Vendidos do Momento?, de 86, pela RGE, é o terceiro registro em disco. Seguido do espetáculo ?Como é que é o Negócio?, no Projeto SP.
A alegria dura até 1987, quando o grupo interrompe suas atividades mezzo por falta de saco, mezzo por falta de capital.

Mas, pressionado por seus fiéis fãs ? que vão de 8 a 80 anos - o Língua resolve voltar com nova formação, em 91.

Juntam-se aos fundadores Laert Sarrumor e Sergio Gama, Cacá Lima, Valmir Valentim, Zé Miletto e Moisés Inácio (a star Grace Black).

Da união vem à luz, em 94, o CD ?Brincando com Fogo? (Devil Discos) e o espetáculo ?Fim de Século?, com direção de Carlos Alberto Soffredini.

Depois saíram do forno, em 96, os CD?s ?Língua ao Vivo?. E, em 2000, ?21 anos na Estrada?, o primeiro gravado na Sala Guiomar Novaes/Funarte, e o segundo no Sesc Pompéia.

Hoje, 25 anos depois, o governo continua não sabendo o que fazer do país. Inventaram o assistencialismo e o economês pra disfarçar.

Felizmente, restou a teimosa voz do velho Língua.

Torçamos pra que ela tenha longa vida.

E que ? como dizia Ary Barroso em ?Dá Nela? ? da sua boca ninguém continue escapando.

Granja Viana, Setembro de 2005
Carlos Melo (ou Castelo, pros que me lêem hoje)."
Read more on Last.fm. User-contributed text is available under the Creative Commons By-SA License; additional terms may apply.