Leopoldo Souza Soares Rassier nasceu e se educou em Pelotas, querência de tradições aristocráticas. Era de família rica, de grandes terra-tenentes, bisneto do barão de Souza Soares, da nobreza portuguesa. Rico, bonito como um puma, dono de preciosa voz de tenor, o Leopoldo era o enfant gaté do sucesso.
Nascido e criado em estância, era o campeiro sem bravatas, mas homem de pé no estribo. Não por acaso, era um dos Cavaleiros da Paz, e os companheiros recordam sempre suas façanhas e causos na 1? Cavalgada Internacional da Paz, cabresteando três ou quatro cavalos, desafiando a feroz enchente no braço e na raça para salvar o chapéu novo de um companheiro, pedindo bergamotas castelhanas aos companheiros (depois de comer todas as suas), censurando severamente o próprio cavalo, que velhaqueou com ele assim que pisamos em território argentino, oferecendo gentilmente nossas rapaduras e vinhos à cantora índia e sobretudo iluminando como uma estrela a mais as noites paraguaias nos nossos acampamentos, cantando como só ele sabia.
Leopoldo Rassier foi pretor peregrinus, juiz do trabalho aprovado em curso mas não empossado, professor, comunista militante, consultor da Assembléia Legislativa do Estado, fazendeiro, poliglota, viajante incansável (morou em Moscou por dois anos), um dos cinco filhos do velho Gaston e de dona Olenka Rassier (os outros eram o Daniel, o Nelson, o Heitor e o Gastonzinho, sem uma irmãzinha para quebrar a monotonia do macherio). Agora, depois de se aposentar do serviço público, o Leopoldo advogava e cuidava da fazenda que herdara aos pais. E cantava. Isso sim, não parava. Seus cachês de espetáculos e dinheiro de premiação em festivais eram distribuídos entre seus músicos, todos seus grandes amigos, como Carlitos Magallanes e Pedro Guerra.
Não se lembrava de quantos prêmios ganhou como cantor, quantos troféus recebeu. Mas e-ram muitos e valiosos. Suas interpretações estão em incontáveis discos de festival e em um álbum que gravou com o repertório conhecido. E amou muito. Não se cansava de amar. Foi pai de dois filhos (o Pierre, aqui em Porto Alegre, e o Rasmus, na Dinamarca, este a cara dele). Casou com a Beatriz, a primeira vez. Divorciou-se e continuaram amigos, tanto que a Bia esteve presente ao seu segundo casamento, com a Tatiane, que foi o seu anjo da guarda, que largou tudo para estar com ele sempre (e ficou até o amargo fim, querida Tati).
Leopoldo Rassier, o maior romântico do gauchismo, ícone e efígie da Califórnia tanto como o grande César Passarinho, macho de calhandra, alçou ontem (06/02/2000) o derradeiro vôo no rumo do infinito.
O maldito caranguejo da morte, de um ano para cá, vinha conquistando pedaço a pedaço, palmo a palmo, o território conflagrado de seu corpo.
Como Neruda, "apuñaleado en lo de hombre". A Morte, china maleva, velha ciumenta e feia, tinha que golpeá-lo na próstata, para ferir o orgulho de sua virilidade. No Rio Grande do Sul, a gente não diz adeus, como em todo o mundo. Acho que é porque se sabe: mais cedo ou mais tarde, de alguma maneira ideal, a gente se encontra de novo. Para mim, a despedida mais linda é a nossa, campeira e cheia de esperança: até a volta!
O Leopoldo vai ficar com a voz e a imagem eternizadas nos filmes, nos vídeos, nos discos, mas vai ficar mais na saudade de seus amigos, nos olhos tristes das prendas enamoradas, na mão crispada de um domador sem padrinho. E sempre ? sempre! ? que um macho de calhandra cantar no pago para atrair a fêmea, eu vou dizer: "Olha aí o Leopoldo velho!".
Eu não sei se os anjos tem sexo. Se tiverem, as anjas que se cuidem: o Leopoldo Rassier está chegando aí.
Só posso acrescentar outra opinião que ouvi, um dia, sobre o Rassier. A da Tonia Carrero, quando o conheceu: "Mas que gaúcho bonito!"
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